O homem costantemente é lançado de volta para si mesmo

O importnte é compreender, escrever é uma questão de buscar essa compreensão.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Qual o corpo dessa dança?





Esse corpo que aqui se apresenta e se mostra completamente mutável como uma massa de modelar é resultado de mutações em experiências com dança, teatro e becos, ruas, terras, mares, ladeiras, pedras da cidade de salvador.
Meu corpo é resultado de uma classe social burguesa e consumista, que descarta e renova tudo, é descartável como a pele que descama a cada dia sendo varrida no quarto, mas meu corpo também é um desejo comunista de me mistura e conviver num mundo mais justo e igualitário, sem sexismo, homofobia nem racismo, que aceite as diferenças inerentes aos humanos. Exalando cheiros e atomos que são trocados nas ruas, sou muitos em um único corpo, tenho moléculas do catador, da baiana do acarajé, do menino na escadaria do Palácio Rio Branco, da minha avó no interior da Bahia, do Russo com o qual fiz um curso de teatro, da Ivete, do Caetano, da Meran, da Bete Gleber, da Cristina Castro, da Pina.
Minha dança é um desejo de ser EU sendo tudo isso, uma busca por aquilo que me toca, que faz com que eu acredite que escolhi ser humana, quero uma dança humanista, que como o homem esteja sujeita a mudanças e inconstâncias, quero o dançar o falar de mim, homem, mulher, negra, índia, branca.
É inegável a influencia que recebo todos os dias quando vou para FUNCEB, da criança dormindo, do mar azul dizendo que é um novo dia, do medo de passar de manhã cedo pela rua atrás da escola, pelo tio do Hot Dog na esquina, pelas Igrejas que esbanjam soberania; beleza, e religiosidade, lembrança histórica de um pelourinho que continua batendo e catequizando os seus escravos todas as noites.
Essa dança é um reflexo do que não se pode calar, um meio de comunicação, libertação e encontro num mundo de tantos conflitos ideológicos, é a escolha de um dos caminhos por onde ainda se pode falar sobre quem somos com maior liberdade.
A dança que habita esse corpo já foi negada, perdida, reencontrada e hoje livre de uma academia Clássica, conservadora e opressora que diz: “um ator não deve fazer balé clássico, nem dança moderna porque seu corpo fica feio e engessado em cena”, meu corpo se refaz no pelô respondendo que um ator pode ser o ator que ele escolher ser.
Meu corpo escolheu ser muitos, um corpo Clássico, Popular, Afro, Moderno, Contemporâneo e Experimental.

quinta-feira, 30 de junho de 2011


O ser envolto nas suas camadas,
água que brota do ventre no seio da terra.
Onde tudo se transforma no ser uno.
Ser terra no centro quente guia da vida sol,
luz no imenso universo uno.
Do amor fez-se a vida, da vida um ser em sua plenitude.

sábado, 14 de maio de 2011

ANTONIN ARTAUD: A existência em uma prática poética


Todo artista que está de acordo com sua arte, que faz dela sua vida potencializando a existência em uma prática poética é fortemente julgado como louco, ou a frente do seu tempo. Artaud foi um homem assim, ganhou milhares de adjetivos por buscar ser apenas Artaud, um homem que viveu no seu tempo e refletiu o mesmo, mesmo que nem sempre tenha sido compreendido.
“Ninguém mais sabe o que é viver, porque viver á afirmar-se em si mesmo, a todo instante, encarniçadamente, e esse é o esforço que o homem de hoje não quer mais fazer”(Antonin Artaud)
Artaud foi um homem poético, aquele que vive da poesia, vive para viver, cria sua poética para estar vivo. Isso é muito presente em seus escritos, na sua forma de atuar e compor as personagens. Pelas fotos é possível perceber o quão vivo era o seu olhar. Um olhar capaz de penetrar no intimo humano, vivamente pulsantes.
“Ali onde outros propõem obras, não pretendo nada além de mostrar meu espírito.”
Isso revela que Artaud é a sua própria “obra”, um homem nu. Para ele tudo que criou está ligado a ele, a sua vida, tudo move a vida.
Imerso em descobertas como todos os humanos em busca de um “Eu”, Ataud é contra a literatura de ficção e tem o desejo de escrever um livro que mexa com os homens, uma porta aberta, um abandono da realidade. Ele reivindica algo para negá-la, defende um ponto de vista e seu oposto, defende e renega e volta a defender. Seu pensamento gira em torno de através da vida verdadeira tocar a literatura verdadeira,no específico da literatura, o teatro verdadeiro, a verdadeira verdade. Sua verdade é a produção vinda do sonho sobre a vida e da imaginação da morte atuando sobre ambas as coisas.
“sou um abismo completo.”
“Um homem só se possui através de lampejos esparsos, e mesmo quando se possui não alcança sua totalidade.”

É justamente a angustia de certeza de nunca encontrar que faz com que o homem a busque incessantemente.
Vivemos em um mundo preconceituoso diante da loucura, talvez pelo medo que temos de ficar loucos ou de chegar perto desse estado de consciência, na época de Artaud isso era igualmente presente na sociedade quiçá mais forte e castrador que hoje. Com isso, denominações como “fúria fanática” e “heroísmo realmente louco” foram designados para Artaud e seu livro “O Teatro da Crueldade”.
Para a maioria das pessoas a arte parece ser aceitável enquanto elemento de um mundo irreal, fictício, longínquo, no qual se brinca de acreditar sabendo que não se acredita em nada dele. Quando aparece alguém dizendo que essas imagens são críveis, necessárias, palpáveis, o único recurso é o de julgar como delirantes, esquizofrênicos. Despreza-se e interna o poeta.
O que a sociedade exige de um artista é exatamente o contrario, se busca uma forma, o arcabouço de fantasmas, o banho de hipocrisia. O poeta é admissível desde que não acredite no que faz, desde que seja diferente do que diz ser. A sociedade suicida,aborta tudo que é radical, profundo, poetizante da existência.
Como suas apresentações eram chocantes, polêmicas e por tanto incomodas Artaud justifica seu internamento dizendo que a taumaturgia não é internável, mas o delírio sim. Queriam se livrar do taumaturgo existente nele. O que mais impressiona na história de Artaud é a sua lucidez, diante de tanto sofrimento, presente nas cartas escritas por ele pedindo para parar de tomar eletros-choque, denunciando os tratamentos, acusando a sociedade de o ter suicidado.
Artaud foi um reivindicador do sentido da linguagem, quebrando normas de pontuações, trazendo uma nova visão espacial, no papel com as palavras e frases. Isso é presente nos seus escritos de Rodez e nos textos, Van Gogh e Para Acabar com o Juízo de Deus.
O teatro proposto por Artaud é aquele que leva o homem ao transe, estado que permite ao homem ver o mundo sob nova luz e ver-se aí. Um teatro perigoso, o homem deverá correr todos os riscos que ele representa para si mesmo, o lugar do reconhecimento físico das imagens da existência e dos meios de provocar transes através delas.
O que se procura é descer mais fundo, remexer numa camada que foi recalcada para o inconsciente, a camada do que não é bem religioso, mas o sagrado, as bases e as condições da vida humana. Rompe-se com linguagem para tocar vida cada um constrói suas imagens, seu céu e seu inferno. Busca-se a linguagem com o outro a interação com a vida. A obra deve mudar continuamente o espetáculo precisa se renovar para que permaneça vivo.
A revolução Artaudiana continua viva, seus pensamentos são inspiração para grandes estudiosos, encenadores e amantes da arte dramática como o Living Theatre, o laboratório de Grotowiski, o Oficina, entre outros.
“A questão que agora se coloca é saber se neste mundo que escorrega, que se suicida sem perceber, existe um núcleo de homens capazes de impor esta noção superior do teatro, que nos desenvolverá a todos o equivalente natural e mágico dos dogmas em que não mais acreditamos”
“Há no mundo da sensibilidade
Timbres,
Volumes de voz, mascaras de ar e tons
Que forçam a vida a sair
de suas referências.”

A formação do ator construtor de conhecimento



Falar do ator construtor de conhecimento é falar de um ser social, que constrói e é construído pelo meio em que vive, partilhando com outros seres vivos o processo vital. A vida é um processo de conhecimento e o ator seu estudioso. Para entender como se dá esse processo é preciso conhecer como os seres vivos conhecem e se relacionam com o mundo. A mente é o espelho da natureza, extraímos informações por meio de representações mentais, que são o que constitui o mundo do indivíduo. A trajetória de vida de um ser humano, um ator, é o que os forma. Assim, a formação e o conhecimento são fruto de uma atitude ativa pela interação: aprender vivendo, viver aprendendo. O ser vivo é autônomo (autoprodutor), capaz de produzir seus próprios componentes ao interagir com o meio: vivem no conhecimento e conhecem no viver, por isso não podem se contentar em receber passivamente informações e comandos vindos de fora. A autonomia consiste na capacidade de especificar sua própria legalidade, aquilo que lhe é próprio. Não funcionam unicamente segundo instruções externas. O processo se dá através da união do meio externo com o universo autônomo do homem, numa dinâmica circular. Se levarmos em consideração que o homem é observador e que o mundo é observado, sendo que essa relação se alterna de quando em vez, não existe hierarquia entre ambos e sim cooperatividade entre o que é subjetivo e quantitativo. A subjetividade tanto quanto a objetividade, a qualidade tanto quanto a quantidade, verdades indispensáveis ao conhecimento, à ciência. Assim se tem a compreensão de como se experiência o que se observa. A construção do conhecimento do ator consiste em unir ciência e experiência humana, o universo objetivo e subjetivo da encenação partidos da vida. Ninguém ensina um ator a ser ator, assim como ninguém ensina um poeta a ser poeta, um pintor a ser pintor, um bailarino a ser bailarino. No entanto existe um conjunto de valores e pensamentos a cerca dessas formas de se comunicar que conduzem, como referência, a formação e a construção desses. No caso da formação do ator existem infinitas formas de se "formar" um ator, no entanto a formação verdadeira de um conhecimento se estabelece relacionando-se com o meio, agregando tudo que ocorre em sua volta. O ator se forma a cada luz que toca sua pele, cada passo, cada ar, cada espetáculo visto, técnicas experienciadas, tudo é material para a sua construção mutua e continua.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

A mamãe desprezada


As obras de arte da África negra, frutos da criação coletiva, obras de ninguém, obras de todos, raramente são exibidas em pé de igualdade com as obras dos artistas que se consideram dignos desse nome. Esses butins do saque colonial podem ser encontrados, por exceção, em alguns museus de arte da Europa e dos Estados Unidos e também em algumas coleções privadas, mas seu espaço natural é nos museus de antropologia. Reduzida à categoria de artesanato ou expressão folclórica, a arte africana só consegue ser digna de atenção alinhada entre outros costumes de povos exóticos.
O mundo chamado ocidental, costumado a atuar como credor do resto do mundo, não tem interesse em reconhecer suas próprias dívidas. No entanto, qualquer um que tenha olhos para olhar e admirar, poderia muito bem perguntar : Que seria da arte do século XX sem a contribuição da arte negra? Sem a mamãe africana, que lhes deu de mamar, teriam existido as pinturas e as esculturas mais famosas do nosso tempo?
Numa obra publicada pelo Museu de Arte moderna de Nova York, William Rubin e outros estudiosos fizeram um revelador cotejo de imagens. Página a página, documentam a dívida da arte que chamamos arte com a arte dos povos chamados primitivos, que é fonte de inspiração e plágio.
Os principais protagonistas da pintura e da escultura contemporâneas foram alimentados pela arte africana e alguns a copiam sem ao menos dizer obrigado. O gênio mais alto da arte do século, Pablo Picasso, sempre trabalhou rodeado de máscaras africanas, e essa influência aparece em muitas maravilhas que deixou. A obra que deu origem ao cubismo, Les demoiselles d’Avinyó (as senhoritas da rua das putas, em Barcelona), contém um dos numerosos exemplos. O rosto mais célebre do quadro, o que mais agride a simetria tradicional, é a reprodução exata de uma máscara do Congo exposta no Museu Real da África Central, na Bélgica, que representa um rosto deformado pela sífilis.
Algumas cabeças de Amedeo Modigliani são irmãs gêmeas de mascaras do Mali e da Nigéria. As guarnições de signos dos tapetes tradicionais do Mali serviram de modelo para os grafismos de Paul Klee. Algumas das talhas estilizadas do Congo e do Quênia, feitas muito antes do nascimento do Alberto Giacometti, poderiam passar por obras suas em qualquer museu do mundo e ninguém se daria conta. Poder-se-ia fazer um joguinho de diferenças- e seria muito difícil identificá-las – entre o óleo de Max Ernst, cabeça de homem, e a escultura em madeira da Costa do Marfim Cabeça de um cavaleiro, que pertence a uma coleção particular de Nova York. A Luz da lua numa rajada de vento, de Alexander Calder, traz um rosto que é clone de uma máscara luba do Congo, pertencente ao Museu Seattle.